Rebeca Bonjour |
O metro da linha 14 parou na estação com um chiar dos travões. As portas abriram automaticamente e deu-se uma pequena batalha entre aqueles que saiam e aqueles que entravam, que se empurraram mutuamente, uma tentativa de serem os primeiros a chegar ao destino.
Adrien não foi excepção. Empurrou dois rapazes novos com ar muçulmano e uma mulher com um carrinho de bebé e apressou-se para as escadas rolantes, onde um sinal indicava que ali se fazia a conexão com a linha 1. Artur nem reparou na indicação, sabia o caminho de cor: subir as escadas, esquerda, segunda à direita, passar o tapete rolante até ao fim do corredor, direita, subir as escadas, esquerda, descer as escadas. Pelo caminho ia dando cotoveladas a alguns turistas que paravam para tirar fotografias ou olhar os mapas. “Idiotas! Não se pára no metro de Paris”, pensou, enquanto prosseguia quase sem olhar, esquerda, segunda à direita, tapete rolante até ao fim do corredor, direita, subir as escadas, esquerda, descer as escadas.
A correria de Adrien era seguida por centenas de outras pessoas que se empurravam e acotovelavam como formigas a quem tivessem inundado o formigueiro. Havia empurrões, cotoveladas e calcanhares pisados, havia joelhadas, olhares fulminantes e suspiros impacientes, tudo muito sem querer, perdão, com licença.
Ironicamente, os corredores que interceptavam as linhas 1 e 14 ignoravam a confusão, e todos os dias se enchiam de música. Tocava-se violino, harmónica, trompete e violoncelo, uma pequena sinfonia interpretada por um grupo de russos de sorrisos amarelados pelos dentes de ouro que lhes enchiam a boca. O vai e vem não os parecia incomodar; tocavam com o empenho de quem dá um concerto para uma multidão e a alegria de quem só toca para si mesmo. De vez em quando, alguém deixava cair uma moeda na boina abandonada aos seus pés, e os sorrisos brilhavam um pouco mais. “Obrigada senhor” diziam, mesmo que o interlocutor fosse uma mulher.
Estariam na casa dos cinquenta, cabelos grisalhos e barrigas redondas, coletes de caça e botas de cabedal que usavam mesmo no verão, a pele branca ainda mais branca de se esconderem o dia todo nos subterrâneos da cidade. “Não há sol em Paris”, diriam aos familiares e amigos quando regressassem – se regressassem.
Aqui o tempo epassa mais depressa do que em qualquer outro lugar do mundo. Vieram os russos por uns meses, e de repente já nos cinquenta perceberam que se tinham passado anos, que tinham deixado para trás filhos e sonhos, os primeiros crescendo, os outros morrendo. “Tem piada o que o tempo faz às coisas”, pensavam enquanto tocavam, e no entanto parecia não haver tempo para pensar nisso.
Adrien não gostava dos Russos, assim como não gostava dos Romenos, dos Árabes ou dos Africanos. Não gostava de Portugueses nem Amercianos, e não estava certo sequer de gostar de Franceses quando seguia os corredores, segunda à direita, passar o tapete rolante, direita, esquerda, subir as escadas, descer as escadas, e as pessoas pareciam não lhe sair da frente, correndo por todo o lado, quais formigas atarantadas a quem inundassem o formigueiro. “Idiotas”, dizia então, esperando que libertassem o caminho, mas os outros pareciam fazer de propósito para demorar-se mais ainda.
Finalmente linha 1, o metro mais uma vez atrasado, “foi um acidente?”, “uma greve?”, as pessoas agitadas, já não consigo comprar pão, e a roupa para lavar!, nunca mais chegamos a casa, nunca mais chegamos a casa, mil vezes repetido pelas mil pessoas na estação. Quando chegarem vai ser noite, vão perceber que o tempo passou depressa demais, passa mais depressa do que qualquer lugar do mundo, nesta cidade. Não há pão para o jantar, a roupa ainda por lavar, e de repente já começa um novo dia, Adrien a caminho do metro, linha 1, depois subir as escadas, esquerda, segunda à direita, passar o tapete rolante até ao fim do corredor, direita, subir as escadas, esquerda, descer as escadas. Não há sol em Paris.
Adrien não foi excepção. Empurrou dois rapazes novos com ar muçulmano e uma mulher com um carrinho de bebé e apressou-se para as escadas rolantes, onde um sinal indicava que ali se fazia a conexão com a linha 1. Artur nem reparou na indicação, sabia o caminho de cor: subir as escadas, esquerda, segunda à direita, passar o tapete rolante até ao fim do corredor, direita, subir as escadas, esquerda, descer as escadas. Pelo caminho ia dando cotoveladas a alguns turistas que paravam para tirar fotografias ou olhar os mapas. “Idiotas! Não se pára no metro de Paris”, pensou, enquanto prosseguia quase sem olhar, esquerda, segunda à direita, tapete rolante até ao fim do corredor, direita, subir as escadas, esquerda, descer as escadas.
A correria de Adrien era seguida por centenas de outras pessoas que se empurravam e acotovelavam como formigas a quem tivessem inundado o formigueiro. Havia empurrões, cotoveladas e calcanhares pisados, havia joelhadas, olhares fulminantes e suspiros impacientes, tudo muito sem querer, perdão, com licença.
Ironicamente, os corredores que interceptavam as linhas 1 e 14 ignoravam a confusão, e todos os dias se enchiam de música. Tocava-se violino, harmónica, trompete e violoncelo, uma pequena sinfonia interpretada por um grupo de russos de sorrisos amarelados pelos dentes de ouro que lhes enchiam a boca. O vai e vem não os parecia incomodar; tocavam com o empenho de quem dá um concerto para uma multidão e a alegria de quem só toca para si mesmo. De vez em quando, alguém deixava cair uma moeda na boina abandonada aos seus pés, e os sorrisos brilhavam um pouco mais. “Obrigada senhor” diziam, mesmo que o interlocutor fosse uma mulher.
Estariam na casa dos cinquenta, cabelos grisalhos e barrigas redondas, coletes de caça e botas de cabedal que usavam mesmo no verão, a pele branca ainda mais branca de se esconderem o dia todo nos subterrâneos da cidade. “Não há sol em Paris”, diriam aos familiares e amigos quando regressassem – se regressassem.
Aqui o tempo epassa mais depressa do que em qualquer outro lugar do mundo. Vieram os russos por uns meses, e de repente já nos cinquenta perceberam que se tinham passado anos, que tinham deixado para trás filhos e sonhos, os primeiros crescendo, os outros morrendo. “Tem piada o que o tempo faz às coisas”, pensavam enquanto tocavam, e no entanto parecia não haver tempo para pensar nisso.
Adrien não gostava dos Russos, assim como não gostava dos Romenos, dos Árabes ou dos Africanos. Não gostava de Portugueses nem Amercianos, e não estava certo sequer de gostar de Franceses quando seguia os corredores, segunda à direita, passar o tapete rolante, direita, esquerda, subir as escadas, descer as escadas, e as pessoas pareciam não lhe sair da frente, correndo por todo o lado, quais formigas atarantadas a quem inundassem o formigueiro. “Idiotas”, dizia então, esperando que libertassem o caminho, mas os outros pareciam fazer de propósito para demorar-se mais ainda.
Finalmente linha 1, o metro mais uma vez atrasado, “foi um acidente?”, “uma greve?”, as pessoas agitadas, já não consigo comprar pão, e a roupa para lavar!, nunca mais chegamos a casa, nunca mais chegamos a casa, mil vezes repetido pelas mil pessoas na estação. Quando chegarem vai ser noite, vão perceber que o tempo passou depressa demais, passa mais depressa do que qualquer lugar do mundo, nesta cidade. Não há pão para o jantar, a roupa ainda por lavar, e de repente já começa um novo dia, Adrien a caminho do metro, linha 1, depois subir as escadas, esquerda, segunda à direita, passar o tapete rolante até ao fim do corredor, direita, subir as escadas, esquerda, descer as escadas. Não há sol em Paris.
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