05/11/2014

Não há sol em Paris


Rebeca Bonjour

O metro da linha 14 parou na estação com um chiar dos travões. As portas abriram automaticamente e deu-se uma pequena batalha entre aqueles que saiam e aqueles que entravam, que se empurraram mutuamente, uma tentativa de serem os primeiros a chegar ao destino.

Adrien não foi excepção. Empurrou dois rapazes novos com ar muçulmano e uma mulher com um carrinho de bebé e apressou-se para as escadas rolantes, onde um sinal indicava que ali se fazia a conexão com a linha 1. Artur nem reparou na indicação, sabia o caminho de cor: subir as escadas, esquerda, segunda à direita, passar o tapete rolante até ao fim do corredor, direita, subir as escadas, esquerda, descer as escadas. Pelo caminho ia dando cotoveladas a alguns turistas que paravam para tirar fotografias ou olhar os mapas. “Idiotas! Não se pára no metro de Paris”, pensou, enquanto prosseguia quase sem olhar, esquerda, segunda à direita, tapete rolante até ao fim do corredor, direita, subir as escadas, esquerda, descer as escadas.

A correria de Adrien era seguida por centenas de outras pessoas que se empurravam e acotovelavam como formigas a quem tivessem inundado o formigueiro. Havia empurrões, cotoveladas e calcanhares pisados, havia joelhadas, olhares fulminantes e suspiros impacientes, tudo muito sem querer, perdão, com licença.

Ironicamente, os corredores que interceptavam as linhas 1 e 14 ignoravam a confusão, e todos os dias se enchiam de música. Tocava-se violino, harmónica, trompete e violoncelo, uma pequena sinfonia interpretada por um grupo de russos de sorrisos amarelados pelos dentes de ouro que lhes enchiam a boca. O vai e vem não os parecia incomodar; tocavam com o empenho de quem dá um concerto para uma multidão e a alegria de quem só toca para si mesmo. De vez em quando, alguém deixava cair uma moeda na boina abandonada aos seus pés, e os sorrisos brilhavam um pouco mais. “Obrigada senhor” diziam, mesmo que o interlocutor fosse uma mulher.

Estariam na casa dos cinquenta, cabelos grisalhos e barrigas redondas, coletes de caça e botas de cabedal que usavam mesmo no verão, a pele branca ainda mais branca de se esconderem o dia todo nos subterrâneos da cidade. “Não há sol em Paris”, diriam aos familiares e amigos quando regressassem – se regressassem.

Aqui o tempo epassa mais depressa do que em qualquer outro lugar do mundo. Vieram os russos por uns meses, e de repente já nos cinquenta perceberam que se tinham passado anos, que tinham deixado para trás filhos e sonhos, os primeiros crescendo, os outros morrendo. “Tem piada o que o tempo faz às coisas”, pensavam enquanto tocavam, e no entanto parecia não haver tempo para pensar nisso.

Adrien não gostava dos Russos, assim como não gostava dos Romenos, dos Árabes ou dos Africanos. Não gostava de Portugueses nem Amercianos, e não estava certo sequer de gostar de Franceses quando seguia os corredores, segunda à direita, passar o tapete rolante, direita, esquerda, subir as escadas, descer as escadas, e as pessoas pareciam não lhe sair da frente, correndo por todo o lado, quais formigas atarantadas a quem inundassem o formigueiro. “Idiotas”, dizia então, esperando que libertassem o caminho, mas os outros pareciam fazer de propósito para demorar-se mais ainda.

Finalmente linha 1, o metro mais uma vez atrasado, “foi um acidente?”, “uma greve?”, as pessoas agitadas, já não consigo comprar pão, e a roupa para lavar!, nunca mais chegamos a casa, nunca mais chegamos a casa, mil vezes repetido pelas mil pessoas na estação. Quando chegarem vai ser noite, vão perceber que o tempo passou depressa demais, passa mais depressa do que qualquer lugar do mundo, nesta cidade. Não há pão para o jantar, a roupa ainda por lavar, e de repente já começa um novo dia, Adrien a caminho do metro, linha 1, depois subir as escadas, esquerda, segunda à direita, passar o tapete rolante até ao fim do corredor, direita, subir as escadas, esquerda, descer as escadas. Não há sol em Paris.

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