13/05/2014

Ser, dizer, escrever

Corre. Não sei quem és, mas corre. Podes ser um amigo meu, a minha namorada, alguém da minha família ou um perfeito desconhecido. És muitos até eu te ver. E o que é interessante é que és tantos, que também és quem está a escrever.

Sim, nós é que somos três, mas tu é que não te lembras. Aquilo que lês foste tu que escreveste, e aquilo que escrevo não é o que tu lês. Nem tu, nem ninguém. Do pensamento à escrita, e da escrita à leitura, a informação perdida é demasiada.

Um bom escritor consegue minimizar isso, mas nunca eliminar. E eu não sou um bom escritor. Nem sou propriamente um escritor. Mas sei demasiado bem a deturpação natural destas palavras quando as lês, em relação a estas palavras quando as escrevi, e em relação a estas palavras quando as pensei.

Tantas palavras e tão pouco texto. Já podia tentar escrever uma colecção de livros negros. Ou dizer-te o porquê de correres. Mas qual era o objectivo? Tem que haver um objectivo? Correr, ler, conhecer, comer, aprender, escrever... Porque não fazer destas coisas, e de outras, um fim por elas próprias? Não tem tudo isto um valor intrínseco?

Digo isto, mas a minha área não é a filosofia, nem as letras, nem as artes, nem nada que se pareça. Sou de Ciências. A minha vida é repleta de números que não existem, entidades matemáticas impossíveis de visualizar, significados físicos demasiado contra-intuitivos para serem aceites e outras coisas que tais. E no entanto, escrevo algo para além de relatórios e equações.

Culpa da leitura? Da Ciência? Da minha curiosidade natural? De todas, claro. Está tudo ligado. Separado, bem arrumado, mas ligado. É assim que eu sou. Ficarás a saber mais se leres mais alguns textos meus, ainda que muito provavelmente de forma bastante indirecta. Mas no fim, quem sou eu?

Isso interessa?

4 comentários:

Morrighan disse...

Olá Rui,

Parabéns pelo texto. Penso que ainda assim pensaste demais antes de o escrever. Mas pode ser só impressão. Ainda assim dou-te um conselho, quando quiseres escrever destes textos, não pares, não penses pelo meio, deixa as palavras escorrerem todas até sentires que não consegues continuar. Se as últimas palavras não forem um fim, escrever mais uma frase que lhe dê um fim. Relê. Não apagues frases, mas se achares que precisam de ser ajustadas, ajusta. E publica. Não penses.

A verdade é que não interessa quem és ou o que escrever, mas sim o que transmites a quem lê.

Digo eu, que não percebo nada disto.

Rui Bastos disse...

Obrigado. Houve uma certa preocupação em efectivamente escrever um texto que servisse de apresentação. Normalmente nem escrevo textos deste estilo :)

Morrighan disse...

Tenho de confessar que são dos meus preferidos :)

Rui Bastos disse...

Eu aposto mais em contos, com uma extensão maior, um enredo pensado, normalmente dentro do fantástico. Este é uma das raras excepções!