15/05/2014

Entriangulação


« Entriangula­-te .»

 A voz falou ao seu ouvido, uma vez mais. Suspirou. Subiu ao banquinho de madeira, passou a cabeça pela argola e olhou à volta uma última vez. A fotografia dele estava na mesa junto à porta, fitando-a com aqueles olhos que tao bem conhecia, como que penetrando-a, lendo-lhe os pensamentos. De repente, os seus lábios abriram e fecharam e a palavra que lhe dissera nesse dia em que a deixou surgiu mais uma vez : « Entriangula­-te ». O corpo contorceu-se uma última vez enquanto saltava do banco. Viriam a encontrá-lo pouco tempo depois, pendendo do tecto, inerte. Causa de morte: entriangulamento.

Pobre tonta! Anulou assim a sua existência, sem perceber que lhe pediam não para se dividir, mas para se multiplicar. Entriangulado é aquele  que  consegue  existir  em três,  que sai  e entra  em mundos diferentes – um perdido  em frascos de químicos, outro  coberto por frascos de tinta,  e  o  último  de  frascos  com  mensagens  atirados  ao  mar.  Misturam-se assim os três numa reacção  química,  movimento  artístico  ou  literário, seja  la  o  que  lhe  quiserem  chamar,  para se alargarem  aos mundos  uns  dos  outros, seguindo  por  caminhos tri­-forcados  que  nunca  pensariam escolher. Esperemos pelo resultado. De qualquer forma , já não há remédio: entriangulamo­-nos uns nos outros.

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